uma afronta gravíssima e a romantização do êxodo urbano
como é a vida de quem larga tudo e vai pro meio do mato?
hoje eu cometi uma afronta. daquelas que eu condeno sem dó e rigorosamente quem comete.
eu acordei, abri a garrafa de café, despejei o líquido preto que estava fresquinho ontem num bule e requentei. e pior: eu bebi. tudo.
era pra ter ficado só entre mim, a garrafa térmica bege e minha famosa caneca da Frida, mas eu não aguentei. precisei te fazer cúmplice dessa atrocidade.
em minha defesa, cometi esse crime porque o café que compro atualmente é gourmet. isso implica que ele é o dobro do preço do café que eu costumava comprar. ontem não deu tempo de eu completar meu ritual matinal de 500ml de café, leitura, suspiros e conversas com o Lucas. nós optamos por largar tudo e ir à praia. assim como fizemos em 2021 quando vendemos todos os móveis, doamos boa parte das roupas e largamos os barulhos ensurdecedores das motos que subiam a Cerro Corá e ecoavam pelas nossas janelas, em São Paulo.
desde que isso aconteceu, moramos em três lugares. Limeira, minha terra natal no interior de SP, Florianópolis e Imbituba (eu sempre falo Praia do Rosa, mas esse é o verdadeiro nome da cidade) em Santa Catarina.
desde então, sempre nos fazem os seguintes comentários: “caramba, largaram tudo mesmo?”, “mas vocês não sentem falta de São Paulo?” e “meu sonho fazer o que vocês fizeram, mas é difícil, né?”
hoje, passando pelos stories da Raiza Costa enquanto descumpria o meu trato de não passear pelo instagram, ela respondeu uma caixinha de perguntas onde a pessoa falava que queria largar tudo e ir pro mato da seguinte maneira: “o êxodo rural existe por um motivo. parem de romantizar o meio do mato”.
eu afastei meu olhar do celular e olhei pela varanda para pensar, enquanto dava um gole no meu café requentado (que horror!).
eu moro no finalzinho da Praia do Luz. pra chegar aqui em casa, a estrada é de terra. bem na entrada que vem pra cá, ela acumula areia trazida da praia pelo vento. vira e mexe, preciso descer da moto para o Lucas conseguir passar sem atolar. algumas vezes, preciso dar uma força a mais empurrando.
encomendas não chegam aqui. precisamos ir até os correios buscar. se for de transportadora, até chega. mas o problema é que ninguém acha a entrada arenosa e, quando acha, não quer subir porque o carro pode atolar. então vamos até a pessoa para receber o que compramos.
não tem luz à noite na rua. só o farol da moto ou a luz da lua cheia. ah, falando nela! a lua nasce no mar, bem na frente de casa. conseguimos ver da varanda e é sempre um espetáculo! o sol também nasce todos os dias bem aqui na frente, atrás de uma montanha. mas diz que em alguma estação que não me lembro, ele nascerá no mar também.
o barulho do mar e dos pássaros é constante. assim como nossos encontros com vacas, bois, cabras, ovelhas e seus filhotes.
nosso lazer é ir à praia, almoçar com os tios do Lucas quando estão aqui e de vez em quando, jantar ou tomar café em algum restaurante delicioso do centrinho.
não tem cinema, não tem shopping, não tem teatro. nada de porcelanato, luzes frias, ar condicionado. é madeira, fogueira, luzes quentes, artesanatos, surf e muitos Budas espalhados. mas tem mercado atacadista, empórios, a Farm, restaurantes sofisticados com drinks elaborados, bar de vinho, cafés superfaturados e instagramáveis. afinal, ainda é um lugar turístico. e estamos em 2024, na era da globalização.
eu não me sinto alheia ao mundo aqui. eu me sinto mais conectada a ele.
eu amei os meus anos na cidade. eu precisei deles para amadurecer, me encontrar artisticamente, ganhar repertório, consciência social, conhecer as pessoas da minha vida.
tenho amado meu primeiro ano de meio do mato (Limeira e Floripa não contam, obviamente). hoje eu preciso disso para alimentar minha energia criativa, aprender a ser paciente com a vida e silenciar os ruídos.
acho que o problema está no “definitivo”. a gente tem a mania de achar que toda decisão que tomamos é pra sempre. é e não é. você pode ir embora de qualquer coisa a qualquer momento, o que restará em você é quem você se tornou depois da travessia. porque como diz Hilda Hilst, “tu podes ir. e ainda que se mova o trem, tu não te moves de ti”.
eu não garanto que morarei aqui para sempre. também não garanto que volto. pra você que deseja fazer o que fiz, te encorajo. te garanto que dá menos trabalho do que as vozes da sua cabeça hoje te dizem. principalmente se você trabalha online. aí, realmente, não tem motivo para não se jogar.
vá. não gostou? volta. nada está perdido, nada é definitivo.
a única coisa que eu posso te garantir sobre o amanhã é que os 500ml de café que vou tomar serão fresquinhos.
antes que eu me esqueça…
faltam apenas 10 dias para as inscrições da vivência Desejante se encerrarem e apenas 5 vagas! eu tô super feliz porque fechei uma parceria que queria MUITO pra esse projeto e vou poder presenteá-las com O amuleto! mas chega de spoilers. se você ainda não fez sua inscrição, de hoje não pode passar pra você chegar com calma, sem correria: https://curadoria.cafeyna.art.br/imersaodesejante
curadoria da semana:
no último episódio do podcast, eu trouxe uma indicação de livro e uma reflexão sobre a cobrança pelo excesso de realidade na vida adulta:
essa edição da
me deixou emocionada, arrepiada e ela ainda nos presenteou com uma lista maravilhosa de livros:eu amo os vlogs da Tami! me aconchegam, sabe?
acho engraçado essa coisa de "não romantizem o meio do mato" porque a vida na cidade também é meio romantizada, né? deve ser do ser humano gostar de romantizar as coisas.
talvez na cidade tudo seja mais conveniente, mas tenho minhas dúvidas se isso quer dizer que é "melhor".
amei o texto e ler sobre sua experiência, Yna!
Café requentado pero gourmet! a moto atola pero a lua nasce na minha varanda de frente ao mar! hahaha. Amei, amei, amei - a vida como ela é perfeita nas imperfeições. Esses dias sonhei que te visitava no Rosa, no meu sonho tinha uma ladeira a lá Evereste que tinha que subir para chegar na sua casa, mas a vista valia cada passo da subida.
Sempre delicioso abrir o e-mail e encontrar a surpresa da segunda feira de manhã. O que será que a Yna está refletindo sobre essa semana? — é oque sempre me pergunto ❤️ beijo beijo