mulheres inteligentes não engravidam
matar a culpa, salvar o desejo
esse ano eu escolhi compartilhar em alguns conteúdos um pouco do processo de uma grande escolha pessoal que me tirou o sono, remexeu as estruturas do meu relacionamento e me colocou cara a cara com o Desejo que me olhava atrevido e dizia: eu realmente mexi com você desta vez, né?
o Desejo não é nada discreto ou sutil. quando ele se revela, desestrutura o que conhecíamos como verdade e nos faz encarar quem realmente somos: um oceano de contradições. porque ele, o Desejo, não foi criado pelas expectativas ou crenças ou convicções. ele nasceu única e exclusivamente de você. daquela centelha mais pura e impenetrável do seu ser.
não há culpados: o Desejo é a sua criatura.
fui apresentada ao feminismo aos 23 anos por uma grande amiga. de lá pra cá, passei por inúmeras fases: o susto, a dor, o ódio, a clareza e a estratégia. eu ainda sinto raiva, mas busco direcioná-la para o movimento que me permite fazer a diferença no perímetro que alcanço.
ao longo desses anos estudando sobre o tema, ficou claro como água que o casamento é uma instituição que foi criada e mantida para beneficiar os homens e o capital. também é óbvio que designar mulheres ao lar e à maternidade como única possibilidade de existência faz parte do plano de dominação e lucro.
como ouvi da minha professora Morena Cardoso, nós parimos a prole — o proletariado. nossos corpos são controlados pelo estado e pela religião porque o capitalismo precisa de gente. ponto.
fatos, senhoras e senhores. simplesmente fatos.
dito isso, eu sou uma mulher feminista que possui dentro de si o Desejo de casar com direito a pedido de casamento emocionante, vestido exuberante, dia da noiva, meus pais chorando me levando até meu noivo, uma banda que em algum momento vai tocar YMCA, bem-casados e docinhos para os convidados levarem apoiados nas Havaianas que vão ganhar e, quem sabe, um carro escrito “recém-casados” no vidro traseiro pra nos levar embora.
eu sou uma mulher feminista que deseja engravidar e quando perceber que o teste deu positivo, gravar a reação do meu marido pra postar nas minhas redes sociais seguido de outro vídeo com a reação de todo mundo que amo. já visualizo meu chá revelação que não será de gênero, mas de nome, e mesmo assim, terá muitas outras cafonices pra ficarem registradas. também pretendo aprender a fazer o bolo formigueiro da minha mãe para assar quando a criança pedir e já imagino ela me dizendo: “o da vovó é mais gostoso”, porque com certeza ele será.
mas mulheres inteligentes não deveriam ser mães.
foi o que li em um comentário quando fiz um vídeo falando do meu Desejo. querer ser mãe atualmente é egoísmo e alienação, segundo as pessoas que corroboraram para esse argumento.
nós, mulheres que desejam parir, estamos fingindo que o mundo não está por acabar e alimentando essa vontade única e exclusivamente para massagear os nossos egos.
assim como nós, mulheres que desejam casar, por mais que possamos negar, estamos defendendo o conservadorismo e corroborando com a exploração e com o silenciamento das mulheres.
UAU, minha gente. UAU!
a sensação que sinto é a mesma de quando peguei um ônibus certa de que ele me levaria à Av. Paulista e fui para no Terminal João Dias (para quem não conhece São Paulo: mirei no centro, fui parar na Zona Sul).
também li que defender mulheres que desejam casar e gestar é o mesmo que defender a heterossexualidade. entendo o ponto, já que são coisas vistas socialmente como aceitáveis, mas não estou aqui para defender o Desejo de casar e ter filhos. estou aqui para defender o Desejo por si só.
minha avó materna me pediu para não casar.
ela me disse que não valia a pena, que era melhor eu focar no meu trabalho. minha avó me disse isso porque casou com uma pessoa que mal conhecia pelo simples fato de estar “velha demais para esperar” — ela tinha 23 anos. pariu 10 filhos, engravidou de 14. minha avó foi a mãe que podia, e ela pôde muito pouco.
fui morar com Lucas aos 29 anos por livre e espontânea vontade. fazia quase 3 anos que estávamos juntos. eu o conhecia, o amava e o tinha escolhido.
aos 34 anos, começo a abrir espaços para a possível chegada de uma criança. eu escolhi quando e vou escolher onde.
tenho uma vida independente do Lucas, viajo a trabalho, tenho meus amigos, meus gostos, minhas necessidades, assim como ele. posso falar abertamente sobre meus medos e Desejos e ser ouvida e acolhida. eu estou aqui porque todos os dias eu escolho estar. e eu escolho estar porque eu DESEJO estar.
a porta nunca se fecha. está escancarada e eu tenho as chaves.
sabe-se lá o motivo, mas meu Desejo é esse. e ele é muito meu. me revirei do avesso em análise e crises existenciais para ter coragem de vesti-lo. e sabe? caiu como uma luva, nem precisou de ajustes.
a minha volta, muitas mulheres Desejam outros caminhos e eu estou aqui com meu facão afiado e preparado para ajudá-las a abri-los. afio todos os dias garras e presas para defender ao lado delas nossas fronteiras.
a única coisa que me importa: esse é o seu Desejo? sim? então me dá a mão que eu tô com você até o fim.
já é cansativo o suficiente defender nosso Desejo dentro de uma sociedade que não nos Deseja. ter que lutar também dentro da nossa própria vila me parece cruel demais.
matar a culpa, salvar o Desejo.
frase de Thereza Nardelli
me parece mesmo a única e mais iluminada saída.
esse é um assunto que eu realmente queria ouvir a sua visão sobre. então te convido a não deixar as reverberações apenas nos bastidores. pega seu café, senta nessa roda e me conta o que sente:
Liderança Feminina, cultura ribeirinha e a força da floresta.
em 2026, a quarta edição da Amazen Liderança Feminina vai acontecer!
de 04 a 07 de Junho (feriado de Corpus Christi) estaremos em plena Floresta Amazônica aprendendo sobre liderança feminina com a floresta, com as líderes locais que desempenham papéis importantíssimos de sustentação e progresso na comunidade e comigo, que faço a ponte entre nossos mundos e trago mergulhos e práticas para ancorarmos o que é vivido.
clique aqui e fale com a Mira para receber todas as informações e assista esse vídeo para sentir um pouco do que é essa experiência.
curadoria da semana
🎧a Olivia Dean lançou um novo álbum — como eu amo essa mulher!
🎬trazendo contrapontos ao meu Desejo, os filmes A Filha Perdida e Olmo e a Gaivota são maravilhosos
📚a
é o recanto criado pela onde mulheres maravilhosas dividem com poesia e maestria suas experiências com a maternidade






O mais tragicômico é que vão condenar nossos desejos pelo sim ou pelo não. Enquanto mulher que escolhe NÃO ter filhos, escuto os mesmos discursos de que sou egoísta, que é burrice, que não penso no futuro e sei lá eu mais o que.
E, além de absurdo, é tão pequeno criticar os desejos dos outros... Me mostra uma infelicidade e uma limitação profunda ser incapaz de olhar para a felicidade alguém como digna, só por ser diferente.
Não só eu fico extremamente feliz em ver as pessoas realizando os próprios sonhos, mas também acho fantástico quando é alguém próximo, porque me dá a possibilidade de ter um vislumbre do que é essa vida. Quase como ter um gostinho, sem precisar viver na pele a totalidade.
Eu que não sonho em construir família, amo passar o dia com famílias queridas em sua vida cotidiana, buscando os filhos na escola e vendo como funciona uma existência completamente diferente da minha, assim como amo acompanhar quem é 100% nômade ou quem escala o Everest, porque hoje sei que são sonhos que pra mim só fazem sentido no papel e através dos outros.
A vida tem muito mais graça quando a gente olha pro lado com curiosidade, sem que as alternativas virem obrigação ou aversão.
Não tem nada menos feminista do que condenar os desejos legítimos de uma mulher, não é não? Obrigada por este texto! Li tantas besteiras sobre isso nos últimos tempos (um texto super aplaudido por aqui, inclusive) que só me fazem pensar que mais do que odiar mulheres, as pessoas odeiam mães. E pessoas que se dizem progressistas. De quem já realizou esse desejo do lado de cá, siga firme no que te move. O caminho é árduo, mas vale.