você já assistiu This Is Us? é uma série estadunidense maravilhosa e terrível. quando você acha que tudo vai ficar bem, ela vai lá e puxa o seu tapete com uma cena tristíssima que você morre de chorar e precisa assistir algo feliz em seguida antes de continuar sua vida.
e tem uma coisa estratégica na escolha do elenco para pegar nós, millenials, ainda mais de jeito: os protagonistas. Mandy Moore e Milo Ventimiglia. ela foi a protagonista do filme igualmente maravilhoso e terrível que você com certeza assistiu na adolescência: Um Amor Para Recordar. ele foi um dos namorados (e meu preferido. e, sim, eu sei que é problemático, mas a gente conversa disso outro dia) da Rory, em Gilmore Girls.
e aí recentemente, eu assisti Ninguém Quer, a nova série da Netflix protagonizada pelo Adam Brody, meu crush supremo da adolescência no papel do nerd fofo Seth Cohen.



eu amei a série. ao contrário de This Is Us, Ninguém Quer é leve, gostosinha e facinha de maratonar. os problemas e conflitos surgem, mas se desfazem rapidamente porque existe diálogo. um belo exemplo do que aconteceria nas nossas vidas se simplesmente falássemos o que sentimos e pensamos ao invés de tentar deduzir o que o outro quer da gente…
mas confesso que estou me sentindo levemente manipulada.
pegar atores que interpretaram personagens afetivos numa fase onde a gente sonhava em viver tantas coisas sem ter a mínima responsabilidade que temos hoje nos dá uma sensação deliciosa de familiaridade e conforto.
são velhos conhecidos. “que mal uma série com a Mandy e o Milo pode me fazer?”. bem, pergunte à minha analista o que o episódio Super Bowl fez com esta pobre criatura que vos escreve.
mas ao mesmo tempo que me sinto manipulada, me sinto deliciosamente contemplada. num mar de conteúdos feitos para a geração Z, assistir uma comédia romântica tão millenial que tem o Adam Brody como protagonista, me deu um alívio gostoso.
mas então surgiram duas pedra no meio do caminho…
excesso de gringo no repertório
hoje eu sou uma mulher 30+ que pensa sobre algumas outras coisas que não pensava quando tinha 15. e tem uma coisa que me incomoda muito em mim mesma: o quanto eu consumo, gosto e me identifico com as produções estadunidenses mesmo sendo uma mulher latina que possui todas as maiores críticas a esse país carinhosamente chamado de Estragos Unidos nessa news maravilhosa da Ana Paula.
e eu sei que muito disso vem do fato de eu me enxergar nessas personagens por ser uma jovem mulher branca.
comecei uma série exclusiva para as patrocinadoras desta news, a Dramáticas onde a proposta é trazer uma reflexão sobre personagens amarrando com nossas vivências de mulheres reais. as duas primeiras edições foram personagens gringas. e a próxima também seria. e não é que eu não tenha referências de personagens e mulheres latinas. eu tenho. mas tenho percebido que me dedico muito pouco a elas. e não tenho gostado nada disso…
faço cerâmica com uma professora argentina. um dia eu falei alguma coisa sobre ela falar espanhol e ela me interrompeu: “portenho. espanhol é outra coisa”. me senti levemente constrangida.
ainda não li um romance da Clarice Lispector porque comecei a ler no início dos meus 20 anos e não dei conta. já li vários da Elena Ferrante e não peguei nenhumzinho da Clarice. já li muitos do Valter Hugo Mãe, mas ainda nenhum do Ailton Krenak. já li Simone de Beauvoir, mas ainda não terminei o que comecei da Joyce Berth.
atualmente, tô lendo a biografia da Fernanda Montenegro. depois de ter lido a da Viola Davis, da Lauren Graham, da Marina Abramovic e abandonar a da Cacilda Becker no meio…
eu não deveria te escrever sobre algo do qual não me orgulho. eu deveria te escrever sobre a mulher maravilhosa que sou em tantos outros aspectos. pelo menos é o que dizem. mas aí eu me distanciaria demais de você e esse não é meu objetivo.
eu luto para que a gente tenha coragem de assumir os efeitos colaterais de ser quem a gente é. mas pra isso, precisamos encarar as partes falhas, levemente tóxicas, alienadas, chatas, ignorantes que nos habitam.
não quero me tornar uma versão feminina dos esquerdomachos bigodudos que amam Belchior, tem um mapa da américa latina tatuado e hablam portunhol. credo! vade retro! tá repreendido! eu só não quero ficar presa nos anos 00 como num daqueles filmes que o protagonista acorda sempre no mesmo dia.
excesso de conforto
assistir essas séries e me lembrar da adolescência é delicinha e eu jamais deixarei de maratonar Gilmore Girls uma vez ao ano. mas para além de me trazer conforto, a arte precisa voltar a me trazer desassossego.
talvez eu tenha ficado um tanto cansada de ser provocada na vida adulta. eu amava esse verbo quando era uma jovem estudante de teatro. se não fosse visceral, difícil, disruptivo, não me interessava.
mas aí comecei a trabalhar como empreendedora criativa. e de tanto pensar em estratégias e conteúdos profundos para aulas, newsletters e vivências, parece que quando paro para assistir algo, tudo o que busco é conforto. algo que não me obrigue a pensar muito, sabe?
dia desses comecei a assistir Macbeth protagonizado pelo gênio Denzel Washington. eu estava amando. o filme é preto e branco e o texto é exatamente o escrito por Shakespeare. mas Lucas não curte esse tipo de filme, então paramos e eu me prometi voltar para ver. cadê que fiz isso? toda vez que penso, minha mente diz: “sério? Shakespeare? preto e branco? agora?”.
resultado: a sensação de que parei no tempo com algumas das minhas referências e gostos porque estou alimentando mais a minha versão empreendedora do que a artista. só que sem a artista, a empreendedora sufoca. e a mulher também.
tô em busca do que entretém, excita e inspira a mulher que habita um corpo de 33 anos. e ela tem me pedido mais substância. não a do filme com a Demi Moore, pelo amor de Deus. mas aquela que nutre corpo-mente-alma.
mais uma etapa na construção da nossa relação. minha comigo mesma. parar de olhar pro que já conheço e me permitir descobrir novos gostos. ainda bem que sou uma curiosa incurável e posso contar comigo nessa. só faltava perceber. e ouvir. está feito.
e mais uma etapa na construção da nossa relação. minha com você que me lê. é bom me permitir ser irremediavelmente eu mesma por aqui. muitas coisas virão desse insight. coisas que deixarão esse espaço ainda mais gostoso. pras comadres que me patrocinam, a Dramáticas ganhará ainda mais vida, prometo (e sou sempre muito grata por vocês terem escolhido patrocinar esse que é o trabalho mais vulnerável e íntimo que faço. fico, de verdade, lisonjeada).
Paulo Autran (ator brasileiro fenomenal) uma vez disse em entrevista: “jamais quero me inaugurar!”. acho que é isso, né? estamos permanentemente em obras para melhor atender a vida.
o importante é saber ouvi-la. é que o que sigo buscando.
você também tem percebido uma necessidade maior de conforto na hora de escolher o que assistir depois de um dia cheio?
antes que eu me esqueça…
a lista de espera para a minha mentoria Comunicação Desejante está oficialmente aberta. ela é direcionada para mulheres autônomas que possuem um servir criativo e desejam perder o medo de botá-lo no mundo. clicando aqui você descobre mais detalhes e preenche a aplicação. em breve vou entrar em contato com cada uma que for selecionada.
curadoria da semana:
eu achei essa história MUITO bizarra, intrigante e engraçada. ainda tentando tirar minhas próprias conclusões…
- conta com a participação especial do meu namorido, o Champs. e além de eu achar a escrita da minha amiga uma obra-prima, fiquei emocionada com esse feat hahaha
você viu o episódio da semana passada do videocast? eu fiquei bem orgulhosa dele. esse filme mexeu demais comigo e com meu estômago. trouxe minha visão e algumas provocações pra gente refletir.
essa reflexão é tão importante... fiquei até me questionando: repertório confortável seria mesmo repertório? ou apenas um acumulado de conhecimento pra satisfazer nosso ego? vou precisar ruminar mais um tempo nisso. obrigada por compartilhar!
e PELOAMORDEDEUS, leia Clarice :)
Post super relevante, me identifico mais do que gostaria. Mas vindo de alguém que se pressiona tanto pra tudo, venho experimentando a sensação de desapegar do que deveria ser para simplesmente seguir meus desejos e respeitar minha energia (aka priorização). Ciente de que nem sempre é politicamente correto ou sentirei orgulho nas rodas cult, mas com fé e certeza que minha curiosidade (com uma saúde bem cuidada) me guiará no tempo certo para o que faz mais sentido pra quem eu sou (— sempre em obras). Obrigada pela reflexão <3