a história do casal argentino
e de como eu me questionei sobre a vida observando esses dois simplemente existindo
eles chegaram já quando o sol dava sinais de que não ficaria muito tempo. assim que os vi, falei pro Lucas:
- eu acho que esse casal não costuma vir muito à praia…
- o da sacolinha? também acho…
eles tinham levado seus pertences numa sacolinha plástica. exceto a toalha que usaram para cobrir a sacolinha quando foram ao mar. ela vestia um vestido quadriculado com quadrados largos e coloridos de azul, rosa e verde, metade dos cabelos presos em dois coquinhos tipo maria chiquinha e o resto solto. eram bem lisos e pretos e ela me lembrava um pouco a Winona Rider em Os Fantasmas se Divertem. ele vestia uma bermuda cinza, se eu não me engano, e olheiras muito escuras e profundas.
depois de alguns minutos descobri que eram argentinos e tinham uma filha de uns 8 anos que estava brincando com amiguinhas na areia.
não sei se você já assistiu A Filha Perdida na Netflix. o filme é baseado no livro homônimo da minha escritora preferida, Elena Ferrante, e protagonizado pela impecável Olivia Colman. se não viu, veja. é um filme profundo e intrigante.
não vou dar spoilers, só dizer que ao observar esse casal, me senti um pouco como Leda, a protagonista da história. ela começa observando uma jovem mulher cuidando de sua filha na praia e aos poucos vai relembrando da própria história. ela começa a se ver e quase se confundir com Nina, interpretada pela Dakota Johnson. e eu paro por aqui para falar do filme.
fato é que eu não conseguia parar de observar o casal.
eles entraram no mar aos poucos, mas sem hesitar. e depois de mergulhar uma vez, começaram a se jogar nas ondas de uma maneira tão entregue que eu, brasileira frequentadora de praia desde meses de idade, jamais fiz. ele inclusive se soltava a ponto de parecer que seu corpo boiava sem vida, depois levantava e sacudia a cabeça para sair o excesso de água. ela se deixava ser levada pelas ondas até a areia. levantava meio desajeitada, arrumando o biquíni e continuava. enquanto se entregavam individualmente ao mar, paravam alguns momentos para olhar se a filha estava bem e se abraçarem.
voltaram pra areia e sentaram com tudo, sem canga, sem cadeira. enquanto eu, a brasileira nata, estava sentada na minha cadeira coberta por uma canga e já incomodada com alguns grãos de areia que estavam grudados pelo meu corpo.
de repente, ele tirou o celular de algum lugar (talvez da sacola plástica) e apontou pra ela que aceitou a sugestão e sem parar para arrumar os cabelos que estavam completamente bagunçados pelo mar (a essa altura, só um dos coquinhos estava mais ou menos vivo) ou dar aquela conferida no biquíni, pousou feliz para a foto. que ficou ótima! eu consegui ver quando ele foi mostrar pra ela.
a essa altura, eu estava em pé segurando o guarda-sol, com a minha sacola de praia pendurada em um dos ombros e olhando para os dois enquanto Lucas tinha ido no mar lavar nossas cadeiras para irmos embora. eles não me viram. enquanto saíamos da praia, ela posava para outra foto.
a entrega dos dois me arrebatou.
a entrega ao mar, à areia, ao olhar do outro na foto, à filha. mas principalmente, a entrega ao agora.
a despreocupação com a aspereza dos grãos na pele molhada, com a força das ondas puxando os corpos, com as roupas de banho descombinadas, com as olheiras profundas ou os cabelos bagunçados.
quando peço pro Lucas me fotografar, me atento ao melhor ângulo, ao biquini, ao cabelo, às pessoas passando ao fundo. e quando ele tira alguma foto do ponto de vista dele sem que eu perceba, eu vejo algum defeito. “tá perto demais, lindo! eu fico estranha”. e ele me dizer o contrário não me convence.
eu me preocupo.
minutos antes deles chegarem, eu pensava que precisava trocar meus biquínis já que não estão mais tão novos ou bonitos. também pensava em comprar uma nova sacola de praia e uma garrafa térmica mais descolada. queria também uma espreguiçadeira para conseguir tomar sol de costas. claro que eu posso deitar na canga direto na areia, mas o vento ou os cachorros ou as crianças vão me encher de areia. e a areia me irrita.
eu me incomodo.
eles não. pelo menos não com isso. e justamente por isso, eles fizeram dos meus minutos finais na praia uma catarse.
estou sem internet no meu celular desde 23/12 quando a Tim não ativou meu plano (um pouco de poesia, um pouco de rancor). por conta disso, meus momentos fora de casa estão ainda mais presentes. por conta disso, eu consigo observar um casal e me questionar sobre tantas coisas…
a gente vê gente demais na internet. a gente segue muita gente. mas a gente não se atenta. o mundo não para por uns minutos pra que a gente assista a vida do outro acontecendo e comece a refletir sobre a nossa. como num filme, só que a poucos metros de você. numa tela, a gente cansa, não busca detalhes, não repara em olhares. até porque eles não estão lá. eles ficaram no antes.
fico pensando que se a Elena Ferrante não tivesse observado as pessoas, meus livros preferidos jamais existiriam. não teríamos Clarice, Machado, Virgínia e todos que muitas vezes nos esquecemos de ler porque não nos ensinam a ganhar mais ou a ser mais criativa ou a escrever melhor ou a ligar o f*da-se.
um casal argentino que chegou na praia carregando sua sacola e suas olheiras quando o sol já dava sinais de que não voltaria refletiu em mim algumas coisas que ainda vai levar um tempo para que eu decante…
hoje minha curiosidade me levou além. que sorte estar atenta!
agora me conta nos comentários alguma história aleatória que você já observou nas suas andanças? por que te inspirou?
(eu disse pra você na news passada que traria uma novidade hoje. mas a verdade é que fiquei doente a semana toda e precisei adiar uma semana a estreia das novas sessões dessa news EITA DEI SPOILER. aliás, percebeu que o nome mudou? decidi deixar no meu nome mesmo porque meu marte em gêmeos cria muitos projetos e não quero me sentir presa. enfim, semana que vem sem falta - porque deusa me livre de ficar doente de novo - eu trago todos os detalhes!)
❤️ Amei!!! Eu adoro fazer isso desde que me lembro, desde menina pisciana, vendo uma cena e imaginando, e conforme fui crescendo, filosofando e refletindo sobre minha vida, sobre as relações, sobre nós humanes 😌❤️
Me lembrei de um dia em que estava na praia e chegou um casal, o homem surfista e a mulher super malhada de salto alto, um croped de manga comprida felpudo por cima do biquíni minúsculo. Aquilo foi tão impactante que todos os julgamentos que eu poderia ter feito sobre como ela estava vestida caíram por terra quando a seguinte reflexão me atravessou: ela é ela mesma. independente de qualquer coisa, ela se acha bonita assim e banca isso. Que massa!
Super grata pela sua partilha, incrível! 🩷