Tremembé: o que te seduz?
ali, no fim, a gente se encontra no mesmo lugar
“precisamos valorizar nossos psicopatas locais!”, eu disse em tom de brincadeira para minha sogra quando ela me contou que até assiste filmes true crime, mas que não assistiria Tremembé, a nova série da Prime Video.
segundo ela, essas histórias são muito próximas. as outras são tão distantes que não parece que aconteceram. eu entendo e sinto o mesmo.
eu tinha 11 anos quando Suzane Von Richtofen foi presa e eu me lembro de cada detalhe desse caso, inclusive das entrevistas que ela deu ao SBT. eu tinha 17 anos quando o casal Nardoni cometeu o que cometeu e 21 quando Elize Matsunaga esquartejou o marido.
me lembro de tudo, tim tim por tim tim. conheço pessoas que foram vizinhas de alguns deles, para você perceber como esses casos estão realmente muito perto de casa.
desde muito nova, sou uma assídua consumidora de true crime. eu dizia, inclusive, que se não fosse atriz, seria perita. hoje eu acredito que o que eu realmente gostaria de ter sido é jornalista investigativa, mas apesar de assistir muito Law&Order, eu não sabia que essa profissão existia. e agradeço, sabe? não deve ser nada fácil estar sempre cercada de tantas atrocidades.
ontem eu estava escutando um episódio do podcast Reparação Histérica, com a Tati Bernardi, a Milly Lacombe e participação do psicanalista Alexandre Patrício sobre essa nova série que está dando o que falar e que eu ainda não assisti.
Tremembé conta o dia a dia na prisão onde todas as pessoas que citei aqui e mais algumas estiveram presas. as pessoas estão super divididas nas opiniões principalmente por se sentirem muito mal em gostar de uma história com personagens tão monstruosos — e reais (ps: me deixem com meus travessões, fiscais de IA).
eu tenho uma opinião complicada.
simplesmente abomino o que cada uma dessas pessoas fez. não as considero monstros porque isso as desumaniza e tira delas sua verdadeira natureza: são pessoas profundamente ruins. e eu sei que é difícil acreditar, mas elas existem e esses exemplares nos comprovam isso.
ao mesmo tempo, sou completamente fascinada em tentar entender a mente de pessoas como Suzane e Elize, especificamente. o poder sedutor e persuasivo da primeira e a frieza calculada da segunda. eu queria muito ter uma conversa sincera com elas, sem as tentativas de se fazerem de vítimas. eu queria ouvir a verdade detalhada, queria ver suas verdadeiras faces.
soube que uma vende chinelos bordados e a outra está fazendo uber. viu? pessoas absolutamente comuns. eu sei que colocá-las como monstros nos alivia e nos distancia. mas a realidade é que são pessoas. e pessoas podem, sim, ser monstruosas.
eu acredito que o que nos fascina é justamente a não compreensão. é tão distante, tão desconhecido, tão bizarro que gera curiosidade. ao mesmo tempo, por mais difícil que seja admitir, existe uma sedução pela falta de pudores e limites. e até uma certa identificação.
eu acho que como qualquer expressão artística, ele traz uma provocação e uma ironia, eu acho que ele zoa a nossa cara, sabe? eu acho que é justamente esse lugar incômodo que ele convoca a gente sentir. porque eu também senti. tinha uma hora que eu falava assim: gente, como assim? eu tô apaixonado pelo olhar da Richtofen. isso é bizarro! você se identifica e você se surpreende, você fica horrorizado com essa identificação. a gente tem esse lado destrutivo, mas a gente se assusta quando esse lado destrutivo se identifica com um criminoso, com um psicopata. e eu acho que a série coloca a gente justamente nesse lugar de incômodo. é interessante isso que ela faz.
trecho resumido de uma parte da fala de Alexandre no podcast que eu concordo totalmente
eu sempre defenderei o lugar da arte de retratar a mais sublime beleza e a mais abominável feiura da humanidade.
nós não queremos ver porque não queremos admitir nossas próprias sombras e pulsões de morte. eu jamais, JAMAIS, cometeria algum dos crimes citados na série. é o oco do oco do oco da maldade humana. eu não tenho um milímetro desse desejo em mim.
mas se eu pudesse voltar no tempo e estar presente no dia que um cara entrou na casa dos meus pais e agrediu brutalmente a minha mãe, e tivesse a oportunidade, sem pensar duas vezes e sem nenhum arrependimento, eu teria acabado com a vida dele. ou pelo menos tentado.
mas é legítima defesa, é diferente. os meios, sim. o fim é o mesmo. ali, no fim, a gente se encontra no mesmo lugar.
eu sei, e seguro a sua mão enquanto falo isso, eu sei que não é gostoso ou prazeroso olhar pra isso. eu sei que saber que temos um lado sombrio é aterrorizante. principalmente quando nossa sociedade tenta de todas as formas jogar às margens tudo o que considera ruim para viver uma ilusão de mundo perfeito.
nós fazemos isso com nós mesmas. o tempo todo.
o que é ruim não é visto, não é sequer nomeado. o que é ruim é do outro, não é nosso. é distante, longínquo. aí vem a arte e a psicanálise e te dizem: “não, senhora! você é feita dos mesmos átomos. isso também te habita.”
é controverso, assustador e bastante confuso pensar em tudo isso. mas eu entendi que o que me fez escolher ser atriz foi a curiosidade pelo ser humano e suas múltiplas formas de viver e sentir a vida. eu gosto de tentar entender o caos e a beleza para que eu possa escolher como desejo viver.
não me sinto completamente bem enquanto te escrevo isso porque sinto na minha boca o amargor que essas palavras e toda essa situação possui. o estômago sente junto e a vontade de desistir de te enviar esse texto é grande.
mas ele vai chegar até você.
porque é preciso vez ou outra deixar Deméter pra trás e voltar ao reino de Hades. é necessário lembrar que só nos conhecemos por completo quando habitamos nossas sombras e assuntos como esse nos provocam onde precisamos para que esse encontro aconteça.
vou assistir Tremembé. afinal, estou assistindo a história de Ed Gein.
e assim seguimos, colocando a beleza outonal de Gilmore Girls entre um e outro para recuperar o fôlego e manter o equilíbrio.
ser gente é mesmo uma grande bagunça.
Agenda Desejante
semana passada fiz uma reunião importante e já temos duas datas e locais pras próximas edições da Residência Criativa! eu não vejo a hora de contar pra vocês, mas já adianto que serão duas propostas bem diferentes. clicando aqui você entra para a lista de espera e tem prioridade nas inscrições!
o site novo da Amazen ficou pronto e você pode ver todas as informações da nossa vivência de Liderança Feminina na Amazônia clicando aqui. vai acontecer em Corpus Christi e as vagas já estão sendo preenchidas! bora conhecer a Amazônia com a gente ano que vem?
curadoria da semana
🎧tremembé: a ilha de caras dos infernos - o episódio que inspirou essa news
🎬você sabia que eu já fui produtora? me apareceu de sugestão no Youtube e me veio o desejo de compartilhar com você esse clipe lindo do Thalles, meu amigo amado, que eu orgulhosamente fiz a direção de produção e de arte ao lado dele! eu fui muito feliz ali!
📚esse texto absurdo de bom da




