quando se sente, é preciso que se diga
sair da mente, chegar no corpo e o único caminho possível depois disso
para que algumas coisas sejam ditas, elas precisam ser sentidas. não pensadas. é quando vira sentimento e o corpo se manifesta que é a hora certa de dizer. porque o que se sente não se engana.
escrevi no meu caderno esse parágrafo como um recado, uma mensagem daquela voz interna que sabe das coisas e nos direciona. ela tem me visto ignorar algumas coisas há tempo demais. e a meu ver, foi ela quem me fez sentir na pele dolorida, na febre de molhar lençóis, na garganta infeccionada e nas herpes adornando os lábios tudo o que está aqui e precisa ser sentido.
claro, não nego a ciência. peguei um vírus. um danado de um vírus que se deliciou num churrasco de família e derrubou meia dúzia de seres humanos. alguns mais, outros menos. eu fiz parte do primeiro grupo.
“início de pneumonia”, me disse a médica argentina com um leve sotaque. eu estava tão cansada que nem me assustei. só queria sair de lá com minha receita, passar na farmácia, tomar o remédio e me jogar na cama.
foi o que fiz. dormi, suei e não falei por quase uma semana. foram 5 dias sem voz. nadica de nada de voz. nem um fiapinho. nada nada nada. pra me comunicar, fazia gestos ou o Lucas precisava prestar atenção e se virar na leitura labial.
eu sou muito faladeira. falo muito o tempo inteiro sobre todas as coisas. ficar sem falar sempre foi desesperador pra mim. aquele negócio de retiro de silêncio sempre me pareceu uma loucura e eu sempre disse que jamais faria — ao mesmo tempo que algo bem dentro de mim me dizia que eu faria, sim, quase que como um prenúncio.
5 dias sem falar não me enlouqueceram. tirando a dor insuportável na garganta, esse silêncio me pareceu providencial. junto dele, uma névoa no cérebro me impedindo de pensar demais sobre as coisas.
inclusive, acho importante dizer que enquanto te escrevo isso, ainda não voltei ao normal. então se alguma frase ficar um pouco confusa é porque o cérebro de quem está escrevendo ainda está como se estivesse dançando no crânio.
sem falar, sem pensar. apenas sentindo tudo. as dores do corpo e os sentimentos que estavam empoeirados nas minhas gavetas internas.
eu amo pensar sobre as coisas. mas senti-las sempre foi um desafio. porque eu sinto muito, demais da conta. então sempre evitei chegar nesse ponto porque todas as vezes que cheguei, perdi o controle. e eu já te disse aqui uma vez e repito: eu sou uma controladora em recuperação.
aos 21 anos, terminei um relacionamento relâmpago. durou um mês apenas. e eu digo “terminei”, mas na verdade foi ele quem terminou me contando a maior mentira do século, chorando horrores numa cena indigna de Oscar de tão patética. mas eu tinha apenas 21 anos e acreditei em tudo o que ele me disse ali dentro daquele carro. essa é uma das histórias mais doloridas dos meus 20 e poucos, mas não por conta do jurandir. a protagonista dessa história foi a minha solidão.
eu estava morando no Rio de Janeiro e me sentindo completamente deslocada ali. eu não me encaixava no estilo de vida, no calor infernal, nas pessoas, em nada. morava com uma amiga que eu amava, mas que aos poucos fomos percebendo que éramos muito diferentes — o que transformou a minha casa em um lugar nada gostoso de se estar. foi também nessa época que sofri um abuso sexual e só entendi o que tinha acontecido 8 anos depois, quando comecei a fazer terapia.
a melhor coisa do Rio era morar perto do meu melhor amigo e ter feito outro grande amigo num curso de teatro. esses dois seres humanos deixavam a minha vida muito melhor.
no meio do caos de estar em um lugar que parecia me dizer o tempo inteiro que eu não deveria estar ali, conheci o jurandir. e ele me deu atenção, cuidado, carinho e me tratou como uma protagonista de comédia romântica por 3 semanas. eu me apeguei a ele. porque em meio ao caos que eu estava sentindo dentro de mim, aquela alienação que ele me ofereceu me impedia de parar pra me ouvir. era gostoso fugir da realidade.
por isso, no dia que ele chorou pateticamente me contando uma grande mentira para terminar comigo (depois eu descobri que ele é supostamente um sociopata que além de mentir, me expunha de forma nojenta pra pessoas que eu desconhecia), meu mundo caiu. eu não tinha mais saída. eu precisava sentir.
me lembro de acordar de madrugada chorando desesperadamente com uma dor absurda no centro do peito. não era pelo término. era porque finalmente eu tinha levantado a tampa do que há tempos me fazia mal.
e eu senti. senti muito. senti cada gota. adoeci também de forma muito parecida como a de agora. fiquei um tempo sem tesão na vida e me perguntando que caralhos eu estava fazendo ali.
resultado: me recuperei ali mesmo naquela cidade que me tirou tanta coisa. e quando fiquei um pouco mais forte, escolhi ir embora. em Maio de 2013 eu voltei para São Paulo, em Junho eu comecei a treinar para trabalhar no restaurante que me trouxe minhas melhores amigas e meu amor. recuperei minha auto estima, minha sede de vida, redescobri quem eu era.
e agora, esse é mais um momento de abrir a tampa.
dessa vez me sinto menos desesperada do que estava aos 21. tenho 34, 5 anos de análise, 1 iniciação em magia e Mulheres que Correm com os Lobos na cabeceira. tô mais preparada. pelo menos me sinto assim.
mas ainda temo o tamanho do meu oceano interno. esse lado pisciano que eu tanto ignoro e que é infinito, que sente sem bordas. oceânica. é o que eu sou. mas é muito mais fácil ser fogueira.
sou ariana, sou bruxa do fogo (você precisa ver o tamanho da chama do meu caldeirão!), tenho Kali, Iansã e Hécate como guias. eu não tenho medo da morte, da raiva, do caos. eu sou filha deles.
eu tenho medo da água. eu tenho medo do quanto sou capaz de sentir. uma vez eu disse pra minha analista que eu tinha medo de não conseguir voltar mais. de onde? não sei. mas qualquer sensação de melancolia ou tristeza me apavora. eu não sei lidar. eu não quero lidar. eu morro de medo de não voltar.
tenho a sensação de que um buraco se abre e me engole. de repente não tenho mais borda, não consigo me segurar, não consigo sair, não consigo… controlar. desesperador.
mas é preciso saltar. é preciso sentir. e mais do que preciso, é seguro. mesmo que eu me perca, mesmo que pareça infinito, mesmo que me falte a voz. eu preciso lembrar que tudo sempre finda.
quando eu era criança e me machucava, eu gostava de me imaginar num futuro próximo onde a dor já não estivesse mais presente. por exemplo, se eu me machucava hoje, eu me imaginava no Natal sem aquela dor. porque ela não ia durar até lá. e a Ynara do Natal estava feliz, cicatrizada e com o estômago bem cheio de comida boa.
faço isso até hoje.
semana passada enquanto estava de cama, eu pensava que dia 17 quando eu estivesse (e estarei) embarcando pra Amazônia, a dor de garganta já não existiria.
daqui um ano, a Ynara do futuro não vai mais estar com essa confusão emocional que eu sinto agora. não se eu permitir que a tampa se abra. não se eu parar de resistir e sentir.
então eu escolho sentir. e eu espero que a Ynara de daqui um ano que está lendo isso agora esteja me agradecendo. eu espero que ela esteja satisfeita com a minha decisão de agora. eu espero que ela exista um pouco mais leve por isso.
eu realmente espero.
antes que eu me esqueça…
em breve eu vou anunciar a nova data da vivência presencial Desejante. vocês não vão acreditar quando eu contar. eu tô radiante com essa novidade. vai ser muito além do que eu estava esperando! se abrir pra vida tem dessas, né? se você quer ser avisada em primeira mão, clica aqui e entra pra lista de espera.
em breve teremos novidade aqui nesta newsletter também. com a guiança da
, a Desejante vai entrar numa nova fase que eu tô muito animada pra dividir com vocês. aguardem…
curadoria da semana:
🎧a Olivia Dean vai lançar um novo álbum e eu já estou apaixonada na primeira música que ela liberou
🎬saiu o trailer da parte 2 de Wicked e eu estou num mix de pelo amor de deus eu não vou aguentar esperar ai meu coração com que diabo de vestido de noiva tradicional é esse na Glinda, gente?
📚eu gostei muito da reflexão que a
propôs nesta news onde ela fala sobre o vestido de 15kg que a Marina Ruy Barbosa usou em Cannes e quase necrosou o próprio braço
Que bálsamo foi esse! 🥹🥹🥹
Me lembrei de uma leitura em que meus guias trouxeram a ideia de que eu embalava minhas emoções em sacos de bala e por ser resistente a senti-las, o que eu entrava em contato era com o plástico que as envolvia, e não com elas. Isso fazia com que eu ficasse com um grande saco de balas de emoções não processadas dentro de mim, e aí quando o corpo não aguentava mais eu explodia.
Obrigada por me lembrar. ❤️❤️❤️
Que reflexão incrível, Yna. Alugou alguns triplex aqui na minha mente (que, espero, desçam para o corpo em muitos sentires). Obrigada!
Ahhh, conta mais da tua iniciação em magia? Morro de vontade de fazer e queria umas dicas!