um dia
pego minha xícara de café, entro no meu escritório, abro o google e digito “plano de saúde unimed preço”. tenho 34 anos e desejo ser mãe. não tenho plano de saúde, utilizo o SUS quando preciso de algum atendimento — que é sempre muito bom aqui em Imbituba. mas, soube que, se não tiver um plano de saúde quando for parir, me deixarão sozinha num quarto compartilhado com outras mulheres recém-paridas. não poderei ter aquele cenário idealizado da família toda em volta do novo membro recém-chegado, em total celebração. e isso, eu não quero viver.
sempre desejei ter um parto natural humanizado. já me ocorreu parir em casa, inclusive, até que eu assisti o filme “Pieces of a Woman” (que eu não recomendo para quem está grávida, no puerpério ou vivendo um luto). desde então, eu quero um parto natural humanizado dentro do hospital com uma equipe médica bem perto de mim e da minha cria.
preciso de um plano de saúde. preciso de um quarto individual. preciso de uma equipe médica. e vou ter que desembolsar uma grana alta pra ter tudo isso. será que eu dou conta de mais essa despesa no meu orçamento?
outro dia
entro no aplicativo da skyscanner e peço para que ele busque passagem de São Paulo para Paris em Setembro deste ano. ele faz o trabalho dele e eu quase caio pra trás ao perceber que está exatamente o dobro do que eu paguei em 2019. tiro um print e envio pra amiga que está planejando essa viagem comigo desde 2020. a minha vontade era de comprar naquele minuto, aproveitar o comichão corajoso nas estranhas, ligar o irreverente e tão desejado “foda-se” e garantir meu lugar naquele avião. mas eu tenho que pagar minha psicanalista, minha designer, meu aluguel, a gasolina do meu fusca e agora, ainda por cima, tenho que contratar um plano de saúde.
e se eu perder todo o dinheiro que está na minha conta? e se eu não conseguir manter minha vida acontecendo?
saio do aplicativo com ainda mais interrogações no horizonte.
deixa Paris pra outro dia…
há umas semanas
soube que um navio com um grupo de ativistas à bordo havia sido capturado no meio de sua missão. eles já haviam até deixado preparado os vídeos de pedido de ajuda porque sabiam que as chances disso acontecer eram praticamente de 100%.
fiquei indignada. não conseguia me conformar.
pessoas estão morrendo, e sendo mortas, porque não tem em mãos a possibilidade da escolha e essas outras, os tais ativistas, talvez morram justamente por terem escolhido estar à bordo dessa missão. como? por quê?
mandei uma mensagem pra minha mãe porque sabia que ela me faria enxergar para muito além das fronteiras do meu próprio medo. dito e feito.
“filha, eles conheciam os riscos envolvidos e não se importaram porque a missão tem um propósito maior. o objetivo é botar luz no que está acontecendo naquela região e pressionar as autoridades, mesmo que isso lhes custe a vida. para essas pessoas, esse é o grande sentido da vida”.
me senti uma grande covarde. porque, verdade seja dita, eu jamais subiria naquele barco.
não pulo de bungee jump, não salto de paraquedas e nunca fiz um cruzeiro porque associo qualquer navio ao Titanic. não transo sem camisinha, não durmo em barracas no meio do nada, não coloco piercing, não faço cirurgia plástica e nem sequer coloco um mísero botox.
eu não me boto em risco de morte porque eu morro de medo de deixar essa vida antes da hora.
ao mesmo tempo, todos os dias me sinto arriscando tudo.
arrisco minha sanidade quando escolho empreender, meu relacionamento quando escolho expressar o que sinto, minha paz de espírito quando posto um conteúdo na internet, minhas amizades quando decido morar longe, minha saúde quando escolho um pastel de pizza ao invés de uma boa salada, minha inspiração quando, ao me analisar demais, enrijeço.
a decisão de me tornar mãe tem me deixado à flor da pele. para realizar o meu sonho, sinto que estou à beira de perder tudo. porque eu me toquei que o que estou sentindo é uma despedida lenta e profunda de quem sou hoje — essa versão cujo ventre ainda não é morada de outra vida.
todos os dias eu me despeço um pouquinho de alguma parte de mim que não poderá seguir essa viagem comigo. algumas, com dias de muito choro, hiperventilação e medo, imploram para ficar — o que torna a despedida ainda mais dramática.
mas, mesmo com tanto ruído, quando fecho os olhos, respiro fundo e escolho continuar fazendo as malas, nesses segundos enquanto sinto o ar sair pelos meus lábios, eu me sinto corajosa. nesse meu microcosmo onde só existe o que me orbita, eu me sinto uma mulher bastante forte.
se comparo o barco no qual velejo pelos mares e marés da vida, ele parece muito melhor equipado do que o de muita gente. se comparo o oceano que me habita, ele parece muito mais calmo do que o de muita gente. se comparo minha travessia, ela parece ridiculamente menor, mais fácil e mais cheia de privilégios do que a de muita gente. e aí me olho nos olhos e me acho uma grande covarde.
mas quando olho para mim, buscando me enxergar de verdade, vejo no meu nariz fino e no excesso de pele que tenho nas pálpebras o meu pai. já no meu sorriso largo e nos meus cachos finos, vejo a minha mãe. nas maçãs do rosto salientes vejo o semblante da minha avó materna. e nas sardas que me colorem o rosto, a mãe do meu pai. na minha mania de rir de tudo, vejo minha irmã que também mora longe. na ilusão de achar que é melhor eu mesma fazer do que delegar o que precisa ser feito, vejo meu avô paterno. no meu interesse por assuntos complexos, vejo minha prima e meu sobrinho. ao meu lado, todos os dias, vejo um homem que por escolha própria caminha de mãos dadas comigo. no meu whastapp vejo bolinhas verdes com áudios imensos de amigos que escolhem me contar de suas vidas e perguntar quando eu chego em SP para matarmos a saudade que só cresce.
dentro das minhas pupilas mora todo um universo que não é só meu, é também de todos eles. sob os olhos dessa pequena comunidade não sou insignificante. meus medos são válidos, minha coragem é vista e, dali de dentro, sinto que o pouco que posso dar ao mundo é suficiente, mesmo que não encerre grandes guerras.
a verdade é que eu não tenho mais a pretensão de que a minha contribuição seja muito, eu desejo que ela seja como aquele copo d’água fresca que a gente toma no momento da sede, sabe? não sacia para todo o sempre, mas alivia, satisfaz e energiza justamente no momento em que precisamos nos recarregar para conseguir seguir em frente, com coragem.
é isso que eu tenho para oferecer.
quanto às minhas próprias travessias, prometo a mim mesma:
eu não morrerei covarde.
a vida me terá por inteira.
Residência Criativa Desejante
se você não leu a newsletter passada, talvez ainda não esteja sabendo da novidade. e caso você leu, reforço meu convite.
dos dias 01 a 05 de Outubro deste ano vai acontecer na Praia dos Carneiros, em Pernambuco, a primeira Residência Criativa Desejante! teremos oficinas de escrita, de manualidades, corpórea, comida deliciosa para aguçar os sentidos, muita troca e momentos livres para desfrutarmos do paraíso que estaremos hospedadas.
são apenas 10 vagas e o pacote inclui absolutamente tudo (exceto passagens aéreas): alimentação, hospedagem, transfer e materiais. vou deixar linkado nosso site com todas as informações detalhadas, vídeo da casa, valores e formas de pagamento.
acesse clicando aqui
mas se você quiser tirar sua dúvida diretamente comigo, pode responder este e-mail ou me mandar uma mensagem direta aqui no Substack.
vai ser uma honra danada ter você comigo! eu tô extremamente feliz com esse projeto, não vejo a hora de vê-lo nascer!
curadoria da semana
🎧semana passada eu estava guiando uma vivência de liderança feminina na Amazônia e usei esta playlist
🎬eu tô adorando acompanhar a expedição até o Alaska do Vibe de Dois
📚comecei a ler o livro “Meu Corpo Ainda Quente” da
e me arrebatou logo nas primeiras páginas
obrigada, amiga. (e eu me pergunto em quantas batalhas homéricas a gente se enfia só pra não brigar essa briga interna, que é só nossa, que ninguém aplaude)
Ser mãe é sim perder tudo. É sim se despedir de nós mesmas. Mas é também ganhar tanto. É também nascer, de novo, junto com o bebê. Quer benção e privilégio maior que esse? Nascer duas vezes na mesma vida?
As preocupações que trazes me habitam muito agora, com a minha filha com 8 meses.. estás antecipando elas, e isso não me parece nada além de um ato de cuidado. Contigo e com teu bebê. Tenho certeza que serás uma mãezona, Ynna!