detesto dividir o que é meu
mesmo não conseguindo sentir que eu realmente possuo alguma coisa
esse final de semana eu estava empolgadíssima porque a última temporada de uma das minhas séries preferidas iria estrear. Invejosa é uma série de comédia argentina com episódios curtinhos e a atuação impecável da Griselda Sicilliani como protagonista.
talvez você não saiba, mas eu sou uma brasileira apaixonada pela Argentina. eu amo o sotaque, o cinema, a comida, o vinho e a capital que já visitei 3 vezes e volto quantas for necessário para aquecer minha alma. foi motivada por isso e pela indicação da
que comecei a assistir a série, com a intenção de matar a saudade de Buenos Aires e me divertir.mas quando o assunto é arte, “só se divertir” nunca será uma opção. as reflexões mais profundas sempre estarão presentes, disfarçadas de piada e escondidas em cenas caóticas, prontas para nos dar o bote.
eu passei os primeiros três episódios da terceira temporada aos prantos.
o carrinho de chá
quando eu tinha uns 6 ou 7 anos, se não me falha a memória, ganhei de presente um carrinho de chá. ele era cor-de-rosa e branco, tinha dois andares, xícaras, bule, açucareiro e um bolo de plástico com fatias separadas coladas por velcro. e eu o amava!
minha mãe costuma ler a minha newsletter, então já me adianto em dizer que o que vou falar a seguir tem a ver apenas com a maneira como eu internalizei o episódio. eu tenho plena consciência de que o que foi feito não foi com a intenção de me machucar, viu, dona Delaine?
eu não me lembro de quem era o aniversário, mas fato é que estávamos dando uma festa em casa. eu e as outras crianças estávamos no meu quarto brincando com o carrinho de chá quando uma delas, alguns anos mais nova, começou a chorar-gritar-escandalizar.
rapidamente, os adultos entraram no quarto para saber o que estava acontecendo. G., a pequena criança, queria meu carrinho de chá e eu não queria dar. era novo e era meu. eu não queria que ela pegasse porque sabia que ela não queria apenas brincar, ela queria para ela.
eu era filha única (da minha mãe e caçula do meu pai, longa história…), minha mãe tem 8 irmãos. seu maior medo era que eu crescesse mimada ou egoísta por não precisar dividir nada com ninguém. além disso, ela é filha da minha avó, uma pequena mulher que deixava a porta de casa aberta, fazia panelas gigantescas de comida e litros de café para alimentar e acolher a vizinhança.
minha mãe pegou o carrinho de chá e deu para G. levar embora. em sua defesa, ela me disse que emprestou. no olhar da pequena Ynara de 6 ou 7 anos, ela tirou de mim o que era meu e entregou nas mãos da criança insuportável de quem eu estava o tempo todo tentando proteger meu território. G parou de chorar e eu nunca mais vi meu carrinho de chá.
eu detesto dividir o que é meu, mesmo não conseguindo sentir que eu realmente possuo alguma coisa.
e foi por isso que chorei largado com os primeiros episódios de Invejosa. Vicky é insuportável e é por isso que eu gosto tanto dela. eu amo personagens caóticas! mas ela é uma mulher bem-sucedida que tem determinação, inteligência e foco para conquistar o que deseja.
em um episódio, ela perde o emprego para uma garota mais jovem e bem menos qualificada. dá um escândalo que me cortou o coração. em outro momento, o a suíte presidencial que ela havia reservado para passar uma tarde especial com o namorado é dada a outro casal por engano.
naquele momento, eu me revoltei junto com ela. a suíte era dela! ela tinha reservado!!! era uma noite especial!!!!! como assim ninguém estava se importando? como assim estão mandando ela se contentar com a suíte normal? como assim a errada é ela???
apesar de todo colapso e revolta, Vicky tem sempre alguém para lembrá-la de que, de certa forma, ela conquista tudo o que quer. o problema é que falha miseravelmente em se sentir me paz com isso.
ela não consegue perceber que tem em mãos o que precisa e deseja porque está ocupada demais se protegendo de problemas inexistentes por medo de perder tudo.
eu a entendo.
vivo alicerçada num terreno arenoso de incertezas que me fazem sentir que nada do que me cerca é verdadeiramente meu. nunca me sinto segura e estou sempre criando planos para proteger meu território de possíveis invasores.
ultimamente, tenho um monólogo interno que me acalma:
mesmo que eu perca tudo o que tenho, existe uma coisa que ninguém me tira: minha capacidade de conquistar tudo novamente. porque se eu fiz uma vez, eu faço outras mil.
por “tudo” eu quero dizer minhas relações, meu dinheiro, meu trabalho, minha casa, meus arquivos, livros, roupas, equipamentos. tudo o que não vive dentro de mim.
em um momento da série, Vicky está cambaleante sobre sua decisão de ser mãe. na conversa que tem com sua psicóloga, vamos percebendo que o desejo não é de maternar, mas de ter algo irreversível e que ninguém poderá nunca tirar dela. chorei mais uma vez.
não por me identificar em relação à maternidade, mas por também desejar profundamente essa sensação de segurança que me fará baixar a guarda.
uma coisa que prometi fazer por mim, assim que tiver uma casa que comporte, é comprar um carrinho de chá. não será rosa e as xícaras, bules e bolos serão aqueles do mundo dos adultos. mas será o meu presente praquela criança que ainda me habita e abala minhas estruturas. uma forma simbólica de eu mostrar pra ela que hoje a gente pode escolher o que entra e o que sai do nosso território.
o que você daria de presente pra sua criança para fazê-la perceber que você se tornou o que ela mais precisava?
no mais, nada é tão nosso quanto o que nos habita. pelo bem e pelo mal. porque “ainda que se mova o trem, tu não te moves de ti”.
outra coisa que ninguém tira da gente são a beleza que nossos olhos tocam, as sensações que marcam nossa pele e as experiências que engrandecem nosso repertório. quando te convido a viver a Amazônia, Carneiros ou qualquer outro lugar comigo, te chamo para buscar um fragmento só seu que te espera nessas vivências.
em 2026 teremos:
Amazen Liderança Feminina - de 04 a 07 de Junho (feriado de Corpus Christi) - todos os detalhes aqui
Residência Criativa Praia dos Carneiros - de 17 a 21 de abril (feriado de Tiradentes - data provável ainda sujeita a altereção) - entre na lista de espera
provavelmente eventos pontuais em São Paulo, Florianópolis e um novo destino surpreendente pra Residência Criativa! aviso vocês em breve.
curadoria da semana
🎧a playlist de Invejosa porque a trilha é muito boa
🎬por favor, assista O Filho de Mil Homens disponível na Netflix. silenciosamente lindo e poético, tranquilamente um dos filmes mais bonitos que já vi.
📚por favor, leia O Filho de Mil Homens, de Valter Hugo Mãe. está no meu top 3 de livro preferido.





Me identifiquei tanto!, principalmente com a parte sobre as incertezas fazerem com que a gente deixe a guarda sempre alta. É exaustivo não poder relaxar. É injusto com a gente mesma não poder desfrutar da vida por medo de perder.