resolvi dar uma segunda chance a esse texto que escrevi no bloco de notas do meu celular numa tarde de verão. ele foi originalmente publicado em 24/01/24. fiz alguns ajustes na edição de hoje porque de lá pra cá, minha escrita ganhou um outro tom. eu gosto muito do que senti ao escrevê-lo e eu espero que chegue num bom momento por aí.
eles chegaram quando o sol já dava sinais de que não ficaria por muito mais tempo.
- eu acho que esse casal não costuma vir muito à praia…
- o da sacolinha? também acho…
todos os seus pertences estavam dentro de uma sacolinha plástica, dessas de supermercado. exceto a toalha que usaram para cobrir a sacolinha quando foram ao mar.
ela vestia um vestido quadriculado com quadrados largos e coloridos de azul, rosa e verde. metade dos cabelos estavam presos em dois coquinhos tipo maria-chiquinha e o resto solto. eram bem lisos, bem pretos e ela me lembrava um pouco a Winona Rider em Os Fantasmas se Divertem.
ele vestia uma bermuda cinza e olheiras muito escuras e profundas.
em poucos minutos descobri que eram argentinos e que a menina de uns 8 anos que brincava com amiguinhas na areia era sua filha.
eu não conseguia parar de observá-los.
me senti como Leda observando Nina obsessivamente em A Filha Perdida, de Elena Ferrante.
eles entraram no mar aos poucos, mas sem hesitar. e depois de mergulhar uma vez, começaram a se jogar nas ondas de uma maneira tão estranha quanto entregue.
ele soltava seu corpo na água como se boiasse sem vida, depois levantava e sacudia a cabeça para sair o excesso de água. ela se deixava ser levada pelas ondas até a areia, levantava meio desajeitada, arrumando o biquíni e continuava.
enquanto se entregavam individualmente ao mar, paravam em alguns momentos para conferir se a filha estava bem ou para envolverem seus corpos molhados em momento de ternura.
saíram do mar e sentaram com tudo direto na areia. sem canga, sem cadeira.
de repente, ele tirou o celular de algum lugar (talvez da sacola plástica?) e apontou pra ela que aceitou a sugestão e sem parar para arrumar os cabelos que estavam completamente bagunçados pelo mar ou dar aquela conferida no biquíni, posou sorrindo para a foto. que ficou ótima! até isso eu consegui ver quando ele virou o celular para mostrar a ela o resultado.
a essa altura, eu estava em pé segurando o guarda-sol com a minha sacola de praia pendurada em um dos ombros enquanto esperava Lucas lavar nossas cadeiras no mar para irmos embora.
em momento algum eles repararam que a poucos metros de distância eu os assistia com tanta voracidade.
a entrega dos dois me arrebatou.
a despreocupação com a aspereza dos grãos na pele molhada, com a força das ondas puxando os corpos, com as roupas de banho descombinadas, com as olheiras profundas ou os cabelos bagunçados. a atenção no que importava de verdade: a filha, os dois, o mar e o prazer.
o que deixo de viver enquanto me preocupo em cobrir minha cadeira para me proteger da areia? quais registros estou perdendo quando deixo de fotografar o presente por não estar arrumada como acho que deveria? que sensações eu deixo de sentir quando mergulho comportadamente ao invés de me jogar nas ondas como fazia quando era criança?
que vida é essa que eu não estou vivendo?
um casal argentino chegou à praia carregando uma sacola e suas olheiras quando o sol já dava sinais de que não voltaria e sem saber despertou de um longo inverno o ser de faro aguçado e fome de vida que existe em mim.
enquanto saíamos da praia, ela posava para outra foto. e eu espero mesmo que ela nunca pare.
mural dos acontecimentos
na próxima edição, você saberá quando e onde será a próxima vivência presencial Desejante. posso te garantir que será diferente de tudo o que já fiz e muito alinhado com o que estamos desejantes por viver: conexão, prazer, criatividade e presença. eu tô muito feliz! as vagas serão limitadas, então se você se interessa em saber mais, clique aqui e preencha o formulário porque daremos prioridade para quem está ali. te chamaremos por whatsapp a partir do dia 24/06. nos aguarde!
curadoria da semana
🎧descobri Lianne La Havas e tô viciada
🎬terminei a última temporada de The Handmaid’s Tale com um sentimento agridoce de “que bom que acabou” com “que pena que acabou assim”. não porque o final é ruim, mas porque ele é real demais.
📚esse texto da
me deixou atordoada e eu amei a experiência
Que texto lindo, adorei.
Acho que cresci aprendendo a me importar demais com coisas como tentar não me sujar de areia, talvez seja hora de deixar um pouco isso de lado e tentar viver mais, me entregar mais aos momentos. Obrigada por ter dado mais uma chance pra esse texto ❤️
Eu sinto que a frase: "...e sem saber despertou de um longo inverno o ser de faro aguçado e fome de vida que existe em mim.", simboliza o que eu mais amei nesse texto. É muito energético, como uma bebida de cacau, ao mesmo tempo em que esconde uma semente de reflexão por trás dos cabelos molhados e vestidos cheios de areia.
Foi muito bonito, obrigada